Professor João Correia*
A questão do saneamento
básico, uma dívida histórica dos governantes brasileiros com à população,
renasce no cenário da Covid-19 sem que a população tenha o direito de participar
do debate sobre esta política vital para o desenvolvimento social.
A falta de investimento
no saneamento é evidenciado ao se constatar
que, de acordo com estudo do Sistema Nacional de Informação sobre
Saneamento, 35 milhões de brasileiros, vivem sem acesso a água potável e, em
apenas 46% das residências o esgoto é tratado.
A falta de debate público
aprofundado e o equivocado direcionamento das Leis, no que diz respeito a
aplicação e gestão dos serviços, levam ao descrédito, na percepção da
população, as políticas e leis elaboradas no Congresso Nacional.
Se os nossos gestores
públicos brasileiros tivessem uma postura realmente ética, não teríamos que discutir
o repasse das suas responsabilidades para o setor privado.
A falta de compromisso do
gestor publico emperra a aplicação da política de saneamento básica no Brasil,
tanto que, no período compreendido entre os anos de 2003 e 2013, o estado
brasileiro contou com recursos abundantes
devido a elevação mundial do preço das commodities (minérios de ferro e
petróleo), contexto no qual foram disponibilizados recursos para o saneamento
através de Programas da FUNASA e do Ministério das Cidades.
Mesmo assim, e com as
atuais linhas de crédito para implantação da política de saneamento, a execução
desta politica não ocorre devido à incompetência técnica das gestões estaduais
e municipais e, principalmente, a falta de vontade política para enfrentar os obstáculos
que existem para viabilizar a implantação de políticas que minimizem os
problemas do saneamento básico no Brasil.
O que não podemos aceitar, é a
implantação de uma política de saneamento básico já reprovada em vários países
do mundo, como solução para sanar um problema secular existente no Brasil,
jogando a responsabilidade que é do poder publico, para o setor privado, sem
consultar a população que será atingida pelo processo de privatização.
Pesquisas da Organização das
Nações Unidas, deixam claro que, em regra, a privatização dos serviços de saneamento
básico representou um encaminhamento para a falta de transparência na prestação
do serviço, tarifas elevadas, corrupção e descumprimento de prazos dos
contratos em mais de 180 casos, executados em 35 países.
A reestatização vem ocorrendo
em vários países desenvolvidos, como nos casos da França e Alemanha, em países
em desenvolvimento, como por exemplo, na Hungria e Argentina, e em países
subdesenvolvidos, a exemplo de Moçambique e Bangladesh.
Entre tantos insucessos, destacamos
os casos positivos de privatização dos serviços de saneamento efetuados na
Inglaterra e no País de Gales, mas considerando a diferença de estrutura,
financiamento, tamanho territorial e cultura do povo em relação ao modelo
brasileiro.
O Projeto de Lei nº
3.261/2019, de autoria do Senador Tasso Jereissati (PSDB/CE), que define o novo
marco regulatório do saneamento
no Brasil, propõem ilusões e transformações com capital privado no
valor de mais de R$ 537 bilhões de reais em 20 anos, e esse investimento está
baseado na parceria público privado, que nada mais é do que a entrega do
patrimônio público às empresas privados com segurança jurídica, ou seja, o
estado brasileiro será o maior segurador financeiro da empresa privada.
É mínima a diferença entre este
projeto e os modelos de privatizações implantados no Brasil, como em Manaus e
Tocantins que não deram certo, patenteando que nada justifica a imposição da
pretensa eficiência privatista em detrimento da prestação pública. Os exemplos observados
nos mostram que o Brasil está trilhando um caminho errado, pois só vislumbra o
interesse do grande capital de lucrar nas costas do povo.
Esse Marco Regulatório, vem ao
encontro dos anseios de uma minoria, uma minoria poderosa economicamente e organizada
políticamente, formada por grandes empresas ligadas à construção civil e
multinacionais de saneamento, que têm exercido grande influência sobre diversos
setores do governo.
A veracidade das informações descritas é
atestada pelo fato de que associações prestigiadas ligadas ao saneamento, entre
estas, a ABES (Associação Brasileira de
Engenharia Sanitária e Ambiental), ABAR (Associação Brasileira de Agências de
Regulação), ASSEMAE (Associação Nacional dos Serviços de Saneamento Municipais)
e AESBE (Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais), se posicionam
de forma contrária às medidas provisórias propostas no Projeto
de Lei nº 3.261/2019.
O abastecimento de água é um
direito humano, previsto pela ONU devido a sua essencialidade à vida. Assim,
constatamos que os segmentos menos favorecidos da população brasileira,
principalmente os que moram nas pequenas e médias cidades e nas periferias das
metrópoles, continuarão sofrendo com a ineficiência dos serviços de saneamento,
pois não são lucrativos para os grande empresários, e, mais uma vez o meio
ambiente será transformado em mercadoria pelo governo brasileiro para
satisfazer o mercado internacional.
*Especialista em Meio
Ambiente e Mestrando em Educação Global.