segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

O Caso Battisti e o Ministro Tarso Genro

A conjuntura politica ocidental do pos-guerra e a decisão do Ministro Tarso Genro

À guisa de debate, então, já que ainda existe uma tendência em tanto esmiuçar a decisão do Ministro Tarso Genro, como os protestos italianos que, segundo o próprio Ministro, estão dentro do direito legitimo - porque nem o Brasil nem ninguém teria o direito de sufocá-los ou induzi-los a aceitar contra a vontade própria -, eu estendo e alargo esse debate antes que ele caia na pequenez da tecnicalidade legal para satisfazer preferências escusas e o caso político em natureza permaneça na obscuridade.

É por falar em vontade própria que o debate se faz interessante a partir dos motivos de interferência no estado de direito dentro de uma democracia. Ora, qualquer acontecimento tem o seu quadro de referencia que serve para delimitar, servir como pano de fundo e razões de ação dos elementos envolvidos inclusive o acusado. Esse quadro de referencia tem os seus niveis assim como angulos de perspectiva que são escolhidos tanto pela defesa como pela promotoria. No entanto, o importante é o quadro todo.

Na Itália dos anos 60 e 70 o que podemos observar não é apenas uma sociedade civil "democrática" em busca da felicidade. Era bem mais do que isso. Era uma sociedade pesada que, apesar de toda a doçura dos anos 60 e 70 demonstrado pelo romantismo de diversos artistas nas telas de cinema no rádio e na TV, vinha fermentando, suportando e dando vazão na política e nos bastidores do poder o período mais cruel da sua história do pós-guerra.

Enquanto que a Alemanha suportou a guerra fria completamente dividida, a Itália suportou essa guerra abertamente como campo de batalha. A realidade política de direita manteve a espada na mão e atacava civís para justificar uma "Greater Security".

Nas palavras de experts, "You had to attack civilians, the people, women, children, innocent people, unknown people far removed from any political game. The reason was quite simple: to force ... the public to turn to the state to ask for greater security."

Essa era a essência da Operação Gládio, uma campanha de décadas de ações encobertas subversivas e de terrorismo por serviços de inteligência ocidentais contra as suas próprias populações. Centenas de pessoas inocentes foram aleijadas em ataques terroristas - em estações de trem, supermercados, cafés e escritórios - para culpar "subversivos de esquerda" ou outros oponentes políticos.

O propósito, declarado em testemunho sob juramento por Vincenzo Vinciguerra, agente da Gládio, era demonizar inimigos designados e amedrontar a população para apoiar um acumulo de poderes em lideres dos governos e seus lacaios elitistas. Essa é a tática de provocar o terror para a sociedade pedir cada vez mais ajuda a governos cada vez mais repressivos que eliminam os direitos civis para impor a "segurança".

Declaração do Ministro Tarso genro em video

Entrevistador: Tem um argumento que é como se dissesse que a Itália não é um país democrático. É admitir que a Itália tem perseguidos políticos.

Tarso Genro: Essa afirmativa é um erro flagrante, e é uma perversão dos fundamentos do nosso despacho. Porque quando se analisa um fato que ocorreu ha 30 anos, como é o caso dessas acusações contra o Sr. Battisti, como eram feitas contra esses outros que o governo federal negou extradição, você está examinando o momento político institucional da época, você não está fazendo um juízo do estado de direito atual.

Hoje, o estado italiano ele não só consolidou-se como estado de direito a partir da reação que teve naquele período, como ele também alterna governos centristas e de centro-direita. Hoje ele tem um governo de centro-direita com toda a continuidade que houve no estado de direito. Hoje, quando nós estamos avaliando este fato no contexto da época, é a mesma coisa que você analisar, por exemplo, aqui no Brasil os fatos que ocorreram durante o regime militar que foram insurreições políticas contra o regime - lá foi contra um regime democrático, uma insurreição politica contra um regime democrático, ilegal contra o estado de direito -, voce pegar aquele contexto de antes e dizer que aquelas decisões que absolveram aquelas pessoas devem ser anuladas porque elas se deram contra o estado brasileiro. Então é uma afirmação totalmente incorreta.

Quando nós avaliamos na nossa decisão (de dar asilo político a Battisti), nós dizemos de maneira clara: O estado de direito italiano agiu legitimamente. O que causou a polemica é uma teoria jurídica dentro do meu despacho - da minha decisão - é que o estado de exceção convive permanentemente com o estado de direito. E se o estado de direito é forte, ele (o estado de exceção) é permanentemente sufocado ou ele é residual. Se o estado de direito utiliza legislações excepcionais em determinados momentos, esse equilíbrio pode se romper.

O que ocorre agora com os EUA, por exemplo, o presidente Obama dá exemplo de generosidade e de grandeza, de uma postura democrática e humanista, quando ele desativa as prisões de exceção, feitas fora do seu território, ele dá exemplo de um estado democrático de direito que está acabando com resíduos de exceção."

Minha nota

O que o Ministro está tentando fazer é jogar uma luz sobre os fatos de uma época em que houve uma ação de interesses externos agindo na Itália como em varios outros paises para garantir interesses políticos. Essas ações caracterizaram uma época que marcou a civilização ocidental por produzir um clima de terror com a finalidade dupla de coagir e obrigar a pedida de socorro a um estado aparelhado para arregimentar a sociedade em paises chave com o propósito de prevenir contra a ideologia de esquerda. Hoje podemos dizer com autoridade que muitas ações terroristas imputadas por uma esquerda radical foram praticadas por células de ultra-direita e paramilitares.

O que está ocorrendo hoje é o inicio de uma tomada de consciência que resulta em tomadas de posição política para restabelecer o estado de direito defraudado por esses interesses espúrios que interferiram e ainda interferem nas soberanias de vários paises.

Os casos de exceção do estado de direito nessa época em vários paises serviram para amparar toda uma política de ultra-direita, que desenvolveu-

se depois em centro-direita, mas que preserva as mesmas intenções, para dar continuidade à um individualismo de um cristianismo ortodoxo que na verdade não tem respaldo em nenhuma filosofia verdadeiramente cristã. São apenas deturpações filosóficas e religiosas para garantir interesses exclusivos de uma minoria no controle do poder. Porque em hipótese alguma a violência, o terror, o estado de sítio, as pressões psicológicas causadas pelo estado de tensão controladas tem qualquer fundamento na filosofia cristã.

Mas foi precisamente esse o método empregado pelos arquitetos da Operação Gládio para arregimentar a totalidade da civilização ocidental. Basta conhecermos o perfil psicológico do seu arquiteto principal, Jim Angleton, para analisarmos que essa foi a extensão da sua realidade mental extremamente paranóica para a realidade social de vários paises, especialmente a Itália em questão.

A seção italiana da Operação Gládio foi a primeira a ser detectada pela constancia de operações de subversão e brutalidade contra a população civil. Iniciada ainda no final da Segunda Guerra Mundial, escalada nas décadas seguintes e transformada gradualmente para atender às mudanças estruturais e políticas, atua de certa forma ainda hoje na sua forma sofisticada de persuasão por métodos mais psicológicos que físicos. Afinal, a mídia serve para isso, e Berlusconi a tem muito bem controlada - devo consultar Umberto Eco sobre isso para estar mais atualizado.

A Operação Gládio na Itália nunca deixou de existir desde a Segunda Guerra e é absolutamente impossível que todos os Primeiros Ministros e Presidentes da República não tivessem tomado conhecimento de uma maneira ou de outra. Mesmo que o magistrado responsável pela comissão parlamentar sobre a Gládio tenha parcialmente declarado o contrário (alguns Ministros sabiam), mas nas entrelinhas da a entender outra coisa, porque Gládio fez todo o pano de fundo da política italiana do pós-guerra.

Agentes especiais tinham o expresso mandato de destruírem todo e qualquer foco de resistência popular que tivesse capacidade de respaldar qualquer movimento social de esquerda e de ação popular que legitimasse qualquer sindicato de trabalhadores, partido de esquerda e centro-esquerda. O propósito central era a criação e instalação de um estado composto por uma elite com interesses corporativos. Isso na palavra comum não é nada mais do que fascismo - próprio da Itália de Mussolini.

O que os arquitetos do pós-guerra estavam fazendo era nada mais do que dando continuidade ao fascismo com uma administração diferente. Daí o empenho desmedido em impedir todo e qualquer movimento social, sindicalista e popular.

O resultado foi o emprego do terrorismo e assassinatos de Ministros como Aldo Moro e industrialistas como Enrico Mattei, um nacionalista que impulsionou a Agip e iniciou a ENI contra os interesses das sete irmãs do petróleo internacional e contra os interesses de vários membros do próprio governo italiano ligados com a conspiração de ultra-direita fascista que obrigava a Agip ser desmantelada e vendida a interesses particulares, o que Mattei se negava terminantemente a fazê-lo.

O desenvolvimento desta realidade política engrossou as instituições "democráticas" italianas de elementos que constituíam a loja maçônica P2 - Propaganda Due - a partir de Licio Gelli que culminou no escândalo do assassinato do Papa João Paulo I em 1982, do envolvimento do Banco Ambrosiano sob presidência de Alberto Calvi causando seu assassinato em Londres em circunstâncias altamente suspeitas depois de uma fuga novelesca. O envolvimento do Arcebispo guarda-costas dos Papas Paulo VI, João Paulo I e João Paulo II, Arcebispo Marcinkus de Chicago, canal entre as finanças do Vaticano e o Banco Ambrosiano, e o envolvimento da máfia italiana que se servia do mesmo Banco Ambrosiano para lavagem de dinheiro em paraísos fiscais nas Bahamas e companhias fictícias na América Latina.

Marcinkus tinha ligações desde muito tempo com Michele Sidona, um financista mafioso siciliano consultor de finanças do Vaticano. Convém destacarmos que a da Loja P2 abrigava na sua membresia a nata dos políticos italianos: Primeiros Ministros, vários membros do Ministério do Interior, grande parte da magistratura, membros de órgãos da policia civil e secreta, assim como uma longa lista de políticos na Espanha e América Latina.

Convém destacar também que Licio Gelli foi sentenciado pela Suprema Corte Italiana (Corte di Cassazione) por diversão das investigações junto com Francesco Pazienza e oficiais da SISMI (Servizio per le Informazioni e la Sicurezza Militare) Pietro Musumeci e Giuseppe Belmonte pelo massacre da estação de trem de Bologna que matou 85 pessoas e feriu outras 200 em agosto de 1980.

O resultado da pressão política, assim como pela própria natureza social da cidadania italiana exigiu que houvesse insurreição para assegurar a autenticidade da identidade nacional. Não podemos nos esquecer dos anos áureos das atividades da máfia italiana e do terror que submergiu a Itália. No processo que se desenvolveu, houve grupos armados da mesma maneira que houve no Brasil. Ocorre que na Itália não houve um regime militar, mas uma "democracia" que permitia ou "ignorava" a existência das ações de ultra-direita.

Diante desse universo da política italiana, o Ministro Tarso Genro não pode dizer que não havia democracia na Itália porque estaria incorrendo no pecado de querer interpretar para os italianos o que é democracia. Por isso ele afirma que "você está examinando o momento político institucional da época". No entanto ele, com a declaração de asilo político a Battisti, afirma com ações a sua interpretação não só sobre que viés democrático a Itália estava operando 30, 40 anos atrás como mostra para os fantasmas da ditadura militar no Brasil que eles engoliram o mesmo sapo pensando que estavam protegendo a democracia quando estavam implantando o mesmo viés da Itália: uma democracia em estado de sítio e um estado de exceção de direitos.

A mensagem que o Ministro Tarso Genro está emitindo é que, para um estado de direito verdadeiro ser restabelecido é mister que primeiro se restabeleça o estado de direito político de uma verdadeira democracia política.

E nesse contexto não são admissíveis operações de subversão do processo social autentico de uma nação, nem a alteração da identidade cultural de um povo por qualquer interesse externo, e muito menos o sequestro de instituições políticas com a finalidade de aparelhar o estado.

O próprio Ministro Cossiga disse que Battisti é um criminoso político. E se um ministro italiano reconhece e afirma isso, é porque ele tem pleno conhecimento de causa do que estava acontecendo na Itália durante esse período em que Battisti atuou como agente da insurreição, mas que a Carta Capital e apologistas do regime de terror desmentem e consentem em classificá-lo como mero assassino e baderneiro. Logo, as questões envolvidas nos remetem para um quadro de referencia que extrapola o judicial e passa ao campo puramente político no qual a Operação Gládio atuava desimpedidamente contra a sociedade italiana e contra o legitimo estado de direito, da mesma forma que os ditadores militares no Brasil implantavam um regime repressivo. Ambos foram "anos de chumbo" no qual ambas as sociedades sofreram perdas irreparáveis.

Agora, se a maioria das autoridades italianas está ainda conforme com essa política, é problema interno deles dentro da interpretação de cada um sobre o que é estado de direito e legitimidade de um sistema democrático, assim como é problema nosso o tráfico de órgãos e o julgamento de torturadores da ditadura. Sobre isso o Ministro afirma que a Itália tem todo o direito de protestar, da mesma maneira que os apologistas da tortura no Brasil no Congresso, como Jair Bolsonaro, Brilhante Ulstra, Grupo Guararapes, etc. também têm.

O Ministro da Justiça está abrindo uma cabeça de ponte no campo político e diplomático para que o MRE entre com mais atuação em um campo que sempre esteve fechado, mas que agora pode ser amplamente explorado. Isso se deu com a perda de autoridade política da extrema direita baseada no neoliberalismo dos ultra-conservadores da mesma extrema-direita que sempre tiveram no "livre mercado" o campo de manobra aberto e desimpedido para exigir políticas econômicas e sociais que favorecem o corporativismo estatal contrário à democracia real e ao estado de direito, e políticas que apenas subsistem à base de pressão, abusos de poder e corte de liberdades civis e individuais como vimos acima.

E se a Rodada de Doha tem sido pautada por protecionismos contra países emergentes e as negociações em Londres, a partir de abril serão, com toda a certeza, para impor um regime estratificado mesmo com inclusões, o que fica de fora mas com a mesma carga é a configuração política internacional. Nem Doha nem a nova ordem financeira serão abertas se não forem abertas frentes na tradicional, conservadora e caquética política mundial de pressão na sociedade. E esse também é o propósito da reformulação do Conselho de Segurança da ONU.

Rebello

01-02-2009
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